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Arquivo Rua Direita

Arquivo Rua Direita

27
Ago09

Anatomia de um Reformismo

Tomás Belchior

O Eng.º Sócrates tem uma aura reformista. Além de qualidades místicas, também revelou ser um cultor da semântica ao explicar, com a eloquência que o exemplo dos 150.000 empregos permite, a diferença entre uma promessa e um objectivo. Sendo assim, impõe-se uma tarefa: fazer uma análise puramente semântica do seu reformismo, pedra basilar da narrativa com que o Primeiro-Ministro quer convencer os portugueses a reconduzi-lo no cargo.

 

No seu livro "Reforms at Risk", o Eric Patashnik define uma reforma como "uma mudança de rumo, propositada e não-incremental, relativamente a uma linha política anterior, com o objectivo de produzir benefícios generalizados". Ou seja, para este autor, uma reforma implica um confronto com interesses instalados, levado a cabo num curto espaço de tempo, com vista a produzir benefícios distribuídos de forma mais equitativa do que anteriormente e onde é realmente possível responsabilizar a acção do governo pelos resultados obtidos.



Das 132 medidas que PS considera serem as "marcas da mudança" destes últimos quatro anos, com boa vontade, apenas 13 cumprem estes quatro critérios. Mesmo contando com as inúmeras repetições e com a desmultiplicação de "reformas" em várias medidas para fazer número, o leque destas "marcas de mudança" vai desde o remendo, à mais vazia  das propagandas. Nem é preciso avaliar os resultados destas medidas para chegar à conclusão de que as "reformas" do governo não resistem sequer ao seu próprio preciosismo linguístico. Na esmagadora maioria dos casos, o único interesse instalado que foi confrontado foi o do contribuinte português.


 

25
Ago09

Energias Renováveis e Segurança

Tomás Belchior

Desenvolver energias renováveis vai tornar o mundo mais seguro. Pelo menos o mundo desenvolvido, que está mais dependente do petróleo e do gás natural. É este um dos argumentos que justifica o proteccionismo que serve de base a uma espécie de populismo ambiental que se alastrou pelos países consumidores dessas energias.


 


Num artigo da última Foreign Policy intitulado "Is a Green World a Safer World?", o autor defende que a "sustentabilidade" vai eliminar alguns dos problemas de segurança actuais mas, como seria de esperar, vai substituí-los por outros: guerras comerciais como subproduto do "proteccionismo verde", instabilidade associada ao futuro incerto dos actuais produtores de energia, problemas de segurança inerentes a uma rede alargada de centrais nucleares, agravamento do problema de fornecimento de água a algumas regiões do globo, potenciais conflitos entre o Chile e a Bolívia, detentores de três quartos das reservas mundiais de lítio, que podem destruir o futuro dos carros eléctricos que o Eng.º Sócrates vai impor ao país.


 


Esta é só mais demonstração de uma realidade incontornável de qualquer política pública: as reformas são feitas para resolver problemas mas não fazem mais do que criar outros. Ao contrário do que parece, isto não é um argumento contra as reformas, é um argumento a favor da humildade na condução dos destinos do país.


 

21
Ago09

Subsídios e Inovação: Mais uma Resposta (2)

Tomás Belchior

Continuando a resposta ao Hugo Mendes:


 


Ao contrário do que o Hugo diz, não "há n casos em que só apoio público permite sair de situações que são caracterizadas por uma armadilha". Há n casos em que o poder político acha que deve intervir para seu próprio benefício. Mais uma vez, o caso das renováveis é, como diz o Hugo, "claríssimo". Das quatro grandes soluções para tentar resolver o problema das emissões (subsídios, regulação, sistemas de "cap and trade" e impostos sobre as emissões) o governo optou pelas que envolvem maior discricionariedade do poder político em detrimento da eficiência económica. Como disse aqui e aqui e também em resposta ao João Galamba, a tomar alguma medida, o governo devia ter optado pelos impostos sobre o carbono, que facilitariam simultaneamente a inovação tecnológica, obrigariam a verdadeiras alterações de comportamento pela via da internalização dos tais custos sociais, e não implicariam penalizações desnecessárias para o país. Curiosamente, não o fez. Como é que isso se explica?



Em relação a recomendações de leitura, eu contraponho o seu Dani Rodrik com um William Easterly no seu "The Elusive Quest for Growth", onde ele demonstra com clareza que os Estados, ao contrário que o Hugo diz, não aprendem. Cometem os mesmo erros que cometeram no passado, vezes sem conta. Se o próprio Hugo admite que as políticas industriais só funcionam em certas condições, porque razão o Estado não garante primeiro essas condições e só depois equaciona políticas activas?



Só para acabar, é óbvio que o governo não tem direito ao dinheiro que cobra através dos impostos. O Estado não tem direitos, só deveres.


 

21
Ago09

Subsídios e Inovação: Mais uma Resposta

Tomás Belchior

O Hugo Mendes, criticando o meu conhecimento "elementar" sobre inovação, faz uma série de observações que demonstram bem a diferença entre a visão socialista da inovação, e das políticas públicas em geral, e a minha.



O Hugo compara as políticas de inovação das empresas com as do Estado dizendo "que a inovação tenha associada um grau elevado de incerteza não traz problemas particulares acrescentados ao investimento público." Pode não trazer problemas ao investimento público, mas traz problemas ao público. Quando as empresas apostam numa qualquer inovação, tanto os custos como os ganhos dessa inovação são seus. Quando o Estado "aposta" numa qualquer inovação, os custos são de todos e os ganhos são maioritariamente dos que desenvolvem essa inovação. Ou seja, os subsídios são um imposto altamente regressivo. Penso que não é propriamente essa a ideia de redistribuição que o Hugo defende.



Quanto às externalidades do investimento público em inovação, como o Hugo diz, "há imensos instrumentos para concretizar isto. As tarifas e os subsídios são apenas os mais óbvios". As tarifas e os subsídios podem ser os mais óbvios, mas são sobretudo os mais ineficientes. Porquê? Porque ao contrário do que o Hugo diz, não conferem vantagens competitivas às empresas do país. Conferem vantagens competitivas a algumas empresas do país em detrimento de todas as outras. O proteccionismo faz com que os recursos de um país sejam utilizados de maneira pouco eficiente, reduzindo a produtividade e o crescimento.


 

21
Ago09

Passando às Perguntas...

Tomás Belchior

O João Galamba foi respondendo aos meus comentários aqui e aqui. Fiquei com algumas dúvidas:



- Achando o João que a minha definição de proteccionismo, que define como "maximalista", não faz sentido como é que o João define o proteccionismo? Já que "nunca disse que o proteccionismo era bom", o que distingue o proteccionismo de uma "política pública de requalificação"?




- Ao contrário do que o João diz, eu não considero que "a acção do estado e a iniciativa privada" sejam "um jogo de soma nula". Quanto à complementaridade das duas, estamos totalmente de acordo, mas o problema não está aí. O problema está na parte "activa" das políticas que o João defende. Eu quero um Estado limitado na sua ambição. O João parece-me querer precisamente o contrário. Sendo assim, o que justifica a "actividade" do Estado? O que a limita?


 


- Sabendo que a iniciativa pública é financiada à custa da iniciativa privada, como é que se sabe quando é que esse custo de oportunidade se justifica? Quando é que a "actividade" do Estado é melhor do que a iniciativa privada? Quando é que "actividade" pública prejudica a actividade privada?


 

20
Ago09

Uma Resposta em Folhetim - Episódio 5

Tomás Belchior

"4-Será que as críticas ao proteccionismo e aos subsídios feitas pelo Tomás não implicam uma revolução liberal em Portugal? Se sim, será que tal é desejável? E, se for desejável, porquê?"


 


Usando o velho chavão: revoluções não, reformas sim. São desejáveis nem que seja porque, ao contrário do socialismo, o liberalismo é coisa que nunca foi tentada por estas bandas. Insistir em mais socialismo para resolver o problema do atraso crónico de Portugal é dizer que é possível resolver os problemas económicos do país aplicando as mesmas receitas que nos trouxeram até aqui. Não percebo como é que essa defesa pode ser feita.


 


No que diz respeito à crise, ao contrário do que o João e quem defende argumentos análogos parece pensar, mesmo contando com os recentes acontecimentos, os benefícios da liberalização dos mercados financeiros são muito superiores aos seus custos. Sem querer entrar na discussão sobre o papel que os bancos centrais e os governos desempenharam na génese desta crise, defender que ela é a prova da falência do liberalismo é ignorar os factos.


 


O que esta crise prova é que é um erro pensar que se pode eliminar a contingência através de planeamento e de racionalidade. A regulação que faltou não era uma regulação que impedisse a liberalização mas sim uma que nos protegesse dos efeitos extremos da liberalização, sem deitar fora os seus óbvios benefícios. Não sei isso seria possível, mas sei que não é possível gerar riqueza sem risco e que este modelo de desenvolvimento onde o Estado assume riscos colectivamente, impondo custos colectivos mas atribuindo rendimentos selectivos não é, nem nunca foi, sustentável, como aliás a nossa triste realidade demonstra.


 

20
Ago09

Uma Resposta em Folhetim - Episódio 4

Tomás Belchior

"3-Não é possível dizer que a estratégia económica é um bem público e isso justifica a intervenção do estado, não apenas "aliviando", mas promovendo activamente?"


 


Não. Ver resposta à primeira pergunta. Para tornar uma estratégia económica pública num bem público, teria de se assumir que a falta de coordenação entre estratégias privadas é uma falha de mercado (presumo que seja este o problema do João) e que a intervenção do Estado para colmatar essa hipotética falha teria obrigatoriamente de melhorar a situação, o que não é manifestamente o caso. Só por milagre, mas acho que esse nível de exigência seria injusto para com o governo.


 


Mesmo aceitando que uma estratégia económica pública pudesse caber na definição de bem público, nunca seria um chamado bem público puro (como a segurança, defesa, etc.), ou seja, dependendo do objectivo dessa estratégia pública, há várias maneiras de a privatizar com ganhos de eficiência. No caso das emissões de carbono, bastaria que as empresas internalizassem os custos dessa falta de coordenação, por exemplo, através da tal aplicação de impostos sobre as emissões que o governo preferiu ignorar. Mais uma vez, dizer que não existem condições para essa "privatização", implica medidas para criar essas condições, não a insistência no erro.

20
Ago09

Uma Resposta em Folhetim - Episódio 3

Tomás Belchior

"2-Será verdade que os preços de mercado contêm toda a informação relevante e que, por isso, os subsídios são injustificados?"


 


Sim, em determinadas condições. Condições que, obviamente, não se verificam hoje em dia. Veja-se o exemplo do défice tarifário. Dizer que, como o mercado está distorcido hoje em dia, precisamos de subsídios para corrigir essa distorção é semelhante a defender aquela solução de tirar as caixas dos multibancos dos tribunais para impedir assaltos. O que interessa é impedir o crime, para permitir a utilização dos multibancos, não o contrário. No caso do sistema de preços, o que interessa é garantir que os preços contêm a informação relevante e não complementar a informação "irrelevante" com outro tipo de informação "irrelevante".


 


Os subsídios são injustificados porque o mercado livre é o sistema mais eficiente para alocar recursos. A sua existência é obviamente garantida pela acção do Estado e a sua eficiência também o será, se essa acção for correcta e limitada. No caso das emissões de carbono, ao optar por subsídios e regulamentação em vez de um sistema de impostos sobre essas emissões, o governo resolveu claramente ignorar a questão da eficiência, apenas por critérios políticos. Ou seja, por critérios políticos, resolveu penalizar desnecessariamente o país em nome da salvação do planeta, ou da redução do défice externo, ou da EDP. Para dizer a verdade, já não sei bem qual era a justificação, e o governo provavelmente também não.


 

20
Ago09

Uma Resposta em Folhetim - Episódio 2

Tomás Belchior

Continuando o folhetim com as respostas às perguntas do João Galamba:


 


"1-Será verdade que políticas públicas activas não promovem a inovação?"


 


Não faço ideia e o João também não. Como já escrevi, a inovação tem uma característica complicada para quem a tenta planear: é, por definição, imprevisível. Políticas públicas activas para promover a inovação são o equivalente a usar o dinheiro dos contribuintes para jogar no Euromilhões. Se por acaso sair o primeiro prémio é mérito da "política activa"? Justifica-se fazê-lo em nome de alguém, com o seu dinheiro e de forma coerciva?




Sendo a inovação imprevisível, faz sentido propor, como o PS faz no seu programa de governo, "assegurar que, até 2015, 50% dos veículos comprados pelo Estado sejam híbridos ou eléctricos"? Ou ter como objectivo que, em 2020, 750.000 veículos em circulação sejam eléctricos? Parece-me óbvio que não, a não ser para justificar o "investimento" do dinheiro dos portugueses nessas tecnologias. A primeira regra quando nos encontramos num buraco é parar de cavar. Se em 2020 os carros eléctricos não passarem de uma reencarnação do Sado de quem será a responsabilidade? Quem pagará a factura? O Eng.º Sócrates?


 


O que é que o Estado pode fazer pela inovação? Para além de criar as condições para o crescimento que referi no primeiro post, fazer com que o financiamento das universidades dependa cada vez mais de capital privado e sobretudo do resultado do ensino e da investigação dessas universidades. Quem deve avaliar esses resultados? Os alunos, as empresas e a sociedade em geral. O Estado, quanto muito, deve ter um papel passivo neste processo. 

20
Ago09

Uma Resposta em Folhetim

Tomás Belchior

Em resposta ao João Galamba, gostava de começar por uma citação em jeito de declaração de interesses: "A plan to resist all planning may be better than its opposite, but it belongs to the same style of politics". Quem o diz é o proverbial Michael Oakeshott e resume bastante bem a minha visão do liberalismo. Isto só para evitar rebater extrapolações abusivas, como algumas que o João faz a partir do que eu escrevi aqui.



De resto, o João parte do princípio de que se não houver uma "estratégia de desenvolvimento pública", não há estratégia de desenvolvimento. Eu parto do princípio de que as estratégias de desenvolvimento individuais, cuja existência o João nega, são preferíveis a estratégias de desenvolvimento públicas. Porquê? Por uma razão simples: ninguém é tão consciencioso a gastar o nosso dinheiro como nós próprios. Isto para nem entrar na questão da legitimidade do Estado em recolher coercivamente o dinheiro dos portugueses, independentemente do resultado dessa recolha.



No caso das renováveis, como no da educação, como no da formação profissional, o Estado não se está a limitar a "apostar" numa determinada estratégia, está a dizer aos portugueses que essa aposta dará melhores resultados do que as suas "apostas" individuais e, com esta argumentação, a limitar deliberadamente a liberdade de cada um deles de prosseguir essas mesmas apostas individuais. Ou seja, para o João Galamba, os portugueses têm o dever de financiar "medidas de requalificação públicas" (?) especulativas, sendo irrelevantes os seus custos de oportunidade e a moralidade dessa imposição. Além disso, assume que, na presença de falhas de mercado, a actuação do Estado será sempre benéfica e que o investimento privado, não sendo público, não é mais do "desinvestimento". Se isto não é um "apriorismo ideológico" igual ao que o João me imputa, não sei o que será.



O João diz também que a minha crítica do proteccionismo é "maximalista" e "acrítica". Se quiser eu explico-lhe porque razão o proteccionismo é errado. Posso explicar-lhe porque  razão não serve para proteger indústrias, porque razão não salva empregos, porque razão é mau para o país. Pensei que era um debate que estava enterrado mas se for necessário podemos exumá-lo. Também posso explicar-lhe porque razão os subsídios têm efeitos perversos. Lamentavelmente essas razões vão bem para além do "apriorismo ideológico".



Eu sei o que espero do Estado. Em termos de políticas de inovação e de crescimento, já o escrevi aqui, e ao longo da série de posts sobre as energias renováveis. O João acha que como programa político é curto, minimalista. Eu acho que para início de conversa é suficiente. Gostava sinceramente de viver num país onde o governo tivesse a humildade de começar por fazer bem o que é óbvio e só depois se pusesse a discutir outras aventuras.

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